Princípios da Autonomia, Abstração e Inoponibilidade ao Terceiro de Boa Fé – Título Público
O título de Crédito é o documento representativo de crédito (ou débito, dependendo do ponto de vista) e possui, dentre outros, como princípio a Autonomia. Tal princípio é previsto expressamente no artigo 887 do Código Civil e ao lermos a redação de tal instrumento normativo podemos constatar isso, vejamos:
Art. 887. O título de crédito, documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele contido, somente produz efeito quando preencha os requisitos da lei.
Veja que o título de crédito é necessário ao exercício do direito literal e autônomo, sendo esta última característica o objeto deste texto. Autonomia caracteriza-se pela independência das obrigações assumidas, ou seja, a obrigação que o devedor criou ao assinar o título de crédito independente da obrigação que deu causa à sua existência.
Dessa forma, a obrigação de pagar que o devedor assumiu ao comprar um mercadoria, ou ter um serviço prestado, a prazo não se confunde com i título de crédito. A assinatura do título de crédito significa também independência da obrigação em relação aos que foram possuidores do título e o transferiram a terceiros, por endosso. É o chamado direito de regresso.
Suponhamos a seguinte situação Rafael promete pagar João no futuro determinada quantia mediante a emissão de uma nota promissória com vencimento em um mês para compra de uma TV. João poderá passar o crédito, decorrente da nota promissória emitida por Rafael, por meio de endosso na nota para comprar outros bens ou serviço no mercado. E João comprou, com o uso da nota promissória emitida por Rafael, drogas de um certo traficante. O traficante, com a nota promissória de Rafael que recebeu de João, comprou um computador.
Há no decorrer da circulação da nota promissória um negócio jurídico nulo (a compra da droga) já que o objeto adquirido é ilícito, descaracterizando assim um dos requisitos de validade de um negócio jurídico (agente capaz, objeto lícito possível, determinado ou determinável, forma prescrita ou não defesa em lei).
Mas quando Rafael vier a pagar a nota promissória ao vendedor do computador adquirido pelo traficante ele não poderá alegar o vício do negócio jurídico que ocorreu pela compra de drogas por João. Somente quando Rafael pagar o título é que a obrigação que gerou o crédito será extinta, não podendo o devedor opor eventuais nulidades de negócios que foram realizados pela circulação do título de crédito por ele emitido.
Dessa forma cada obrigação representada no título de crédito é autônoma, para que o vício de uma obrigação não contamine as demais. O princípio da autonomia diz que cada obrigação representada pelo título de crédito é autônomo e o vício de uma obrigação não gera invalidade do título e nem contamina as demais obrigações. Assim, o portador do título de crédito poderá cobrar o devedor principal (aquele que emitiu o título) para cumprir o negócio jurídico ajustado que gerou o título.
Sem o princípio da autonomia não seria possível haver circulação dos títulos de crédito no mercado, já que o vendedor ou prestador de serviço necessariamente precisaria conhecer TODOS os negócios jurídicos realizados com aquele título de crédito. Isso seria muito oneroso e iria atravancar os negócios de modo geral. Com o princípio da autonomia o vendedor apenas recebe o título de crédito e vai ao devedor que emitiu o título cobrar a dívida representada pela cártula, independente dos negócios realizados com o título de crédito.
Em resumo, o vício de uma obrigação representada pelo título de crédito não contamina as demais negociações realizadas com o título de crédito.
Os Sub-Princípios da Autonomia do Título de Crédito
Devemos destacar que o princípio da autonomia subdividi-se, conforme concepção majoritária da doutrina, em dois outros sub-princípios que são:
- Sub-princípio da Abstração
- Sub-princípio da Inoponibilidade das Exceções Pessoais ao Terceiro de Boa Fé
O Princípio da Abstração diz que o direito cambiário (direito representado pelo título de crédito) se depreende do negócio jurídico que lhe deu origem, ou seja, o Título de Crédito emitido por Rafael ao João não prende-se a compra da TV. Se o negócio jurídico que deu origem ao título de crédito vier a estar viciado o título não será afetado dado ao vendedor o direito de exigir o crédito representado pelo título.
Já o Princípio da Inoponibilidade das Exceções Pessoais ao Terceiro de Boa Fé diz que o princípio da abstração e o princípio da autonomia só será aplicada ao terceiro que não tem ciência da nulidade do negócio jurídico, ou seja, que está de boa fé realizando o negócio sem o conhecimento dos vícios. Se estiver de má fé poderá haver responsabilidade do terceiro quanto ao negócio realizado e tornando inválido o título de crédito.